Pular para o conteúdo principal

Continuação Lacan ...

 Lacan sempre buscou a retomada dos escritos originais de Freud. Isso levou-o a discordar da visão tripartida da mente freudiana, procurando voltar-se para a teoria da relação dos objetos na teoria da psicanálise influenciada pela visão psicodinâmica. Adotando a mesma base conceitual de Freud, Lacan assume a própria interpretação dos sonhos sendo uma constituição subjetiva e o inconsciente disposto como uma língua. Defende ao inconsciente como uma formação complexa e sofisticada, comparando a consciência. Enquanto ao Complexo de Édipo, ele não o coloca no centro da psicanálise, embora o situa como o início do entendimento da criança de uma ordem simbólica. 

Em relação ao desenvolvimento infantil, embora se concentre na construção da psique na relação com os outros, em essencial com a família ele formula, assim, a forma como se relaciona com a sociedade e os seus diversos constituintes. Lacan explorou também o conceito de objeto transitório, escrito por Winnicott, sendo o mesmo capaz de transmitir conforto em situações perturbadoras ou instáveis às crianças. Ele acredita que é desta fixação pelo elemento que traz paz num momento de agitação que tem raízes o fetichismo. 

- Os principais conceitos de Lacan:

1. O estado do espelho  

O primeiro conceito introduzido por Lacan na psicanálise foi o estado do espelho, sendo ele o formador da função do eu, como nos é revelada na experiência psicanalítica. Adquirido na infância, este estado diz respeito a um fenómeno no qual a criança se torna consciente daquilo que é a luz da dualidade corpo-imagem, responsabilizando-se pelos primeiros conflitos no seio desta. Um destes é precisamente a alienação, onde se confrontam a experiência emocional e a aparência da criança, e onde os primeiros “méconnaissances” se vão dando, em que o imaginário tem as suas próprias formulações. Esta etapa também é a da formação do ego, através da objetificação do corpo. O choque entre os movimentos ainda desordenados com a imagem que é observada no espelho acaba desencadeando uma fragmentação na própria interpretação que alcança o ego, em que a identificação com aquilo que vê é responsável pela superação desta problemática. No entanto, a comparação que vai estabelecendo com a imagem consolidada da mãe ou do pai (o outro) pode também gerar alguma ira no seio da própria criança. No fundo, o “estado do espelho” é decisiva para aquilo que é a tomada de conhecimento da criança com o seu corpo e a eventual identificação com a sua estrutura física, levando a formação do sentido integrado e completo do eu.  

2. O outro 

A conceção do outro para Lacan diverge da noção que Freud empreendeu, aproximando-se da que o filósofo alemão Georg Hegel apregoou. O psicanalista relata dois tipos de outro, em que um era o grande (A) e outro o pequeno (a). Esta diferença permite um melhor posicionamento do eu na realidade, em relação aquele que é o outro em concreto. Assim, enquanto o grande representa o que se transcende ao ilusório e que não se assimila através da identificação, o pequeno é somente uma reflexo projetado pelo ego, remetido ao imaginário. O discurso constrói-se, desta forma, no outro, podendo assumir-se secundariamente como um assunto enquanto se assume em pleno discurso como tal.  

O discurso linguístico, assim como a própria linguagem, partem de um lugar fora do próprio consciente e constroem-se a partir do inconsciente, lugar em que o outro se cria e existe. Esta noção referencial está numa cena que transcende aquilo que é visível estando nas estruturas assimiladas e recriadas. Ainda sobre o outro, é a mãe a primeira a assumir esse papel, a primeira a ouvir os choros do recém-nascido, embora seja também ela parte do complexo de castração, no qual a criança descobre que falta sempre um significante para que o outro se molde na totalidade. Esta incompletude, analisada numa linguagem simbólica e semiótica, leva a que se denomine de “Outro barrado”, que impede que esse outro vá para além daquilo que o ego percebe. 

3. O desejo

Para a noção de desejo, Lacan resgata a influência do filósofo Hegel e salienta a força que está implícita no desejo, que se localiza no inconsciente e que se torna na principal temática da psicanálise. Tomando como objetivo desta o reconhecimento do desejo por parte de cada um e a verdade subjacente a este, importa, na visão do psicanalista, dar ao desejo uma existência própria, passível de ser identificada e materializada para um discurso linguístico. No entanto, o próprio discurso não consegue inteirar-se de toda a verdade do desejo, deixando sempre algo mais ou menos do que realmente o desejo é.

É possível diferenciar o desejo da necessidade e de procura, sendo que a necessidade está ligada ao instinto biológico que depende do outro para ser satisfeita, vindo a procura alicerçar essa ligação entre a biologia e a entrada do outro no processo da satisfação da própria necessidade. O desejo, por sua vez, não procura satisfação ou amor, mas precisamente a diferença entre ambos, na separação entre a satisfação e o amor de proveniência externa. Desta forma, é impossível satisfazer o desejo, estando em constante pressão e concretizando-se somente na sua reprodução como o próprio desejo reconhecido e identificado. 

As manifestações deste são nomeados como os ímpetos, desencadeados a partir da relação do eu com uma lacuna que existe no seu interior. Aquilo que, segundo Lacan, torna esse objeto desejável é mesmo ser pretendido por outros. Estando o próprio desejo no campo do outro, razão pela qual ele é inconsciente.

4. O ímpeto

Um dos pontos em que concorda com Freud, Lacan afasta o ímpeto do instinto, porque o primeiro nunca pode ser satisfeito e permanece como uma espécie de rota para o sujeito seguir até à consolidação do desejo em redor de um dado objeto. Os ímpetos, todos eles de raiz sexual constituem as bases culturais e simbólicas do desejo, sendo composto pela pressão, pelo fim, pela fonte e pelo objeto, o circuito de condução dos próprios ímpetos. 

A linguística volta a ser importada e a trazer três estruturação do circuito: 

  • a voz ativa (o ver), 
  • a reflexiva (o ver a si mesmo), 
  • a passiva (ser visto). 
Apesar da presença desta última, o ímpeto é praticamente todo ele ativo, sendo o circuito a única via disponível de ir para além do princípio do mero prazer. Lacan volta a divergir de Freud defendendo que ímpetos incompletos não conseguem obter uma organização consolidada, sendo que a sua parcialidade concerne somente uma parte da impulsão sexual, representam apenas aquilo a que se chama de fruição. Os ímpetos incompletos ele os distingue em quatro tipos, sendo eles: 

  • o oral (a zona erógena são os lábios, em relação aos seios), 
  • o anal (o ânus, em relação ao expelir das fezes), 
  • o escópico (os olhos, em relação ao que vê),
  • o invocatório (os ouvidos, em relação ao que é dito). 
Onde os primeiros dois derivam daquilo que chamou de procura, e os restantes provêm do desejo. 

                                                                                                                                               Parte 2 de 2.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Jacques Lacan

Jacques Marie Émile Lacan nasceu em 13 de abril de 1901,  em Paris na França,  fruto de uma família de classe média, católica e conservadora, que vivia da fabricação de vinagre e mostarda em  Orleáns .  Seus pais foram Alfred Lacan (1873-1960) e Émile  Baudry  (1876-1948) e teve três irmãos.   Lacan se formou em medicina e se especializou em psiquiatria entre 1927 e 1931, foi residente no Hospital  Sainte -Anne, em Paris. A tuou como psiquiatra e psicanalista na capital francesa e foi um dos principais responsáveis pela divulgação dos estudos de Freud no seu país.  A sua formação académica e profissional  é voltada para um regresso (crítico) aos postulados de Sigmund Freud, a linguística de Ferdinand de Saussure e a filosofia de Georg Friedrich Hegel.   Em 1934, casou-se com Marie-Louise  Blondin  (1906-1983), Malou, com quem teve três filhos. E e m 1937, apaixonou-se por Sylvia  Maklès-Bataille  (...

Psicanálise - Resumo

A  Psicanálise  foi criada pelo neurologista austríaco Sigmund Freud, com o objetivo de tratar desequilíbrios psíquicos. Este corpo teórico foi responsável pela descoberta do inconscientes e a partir de então passou a abordar este território desconhecido, na tentativa de mapeá-lo e de compreender seus mecanismos, originalmente conferindo-lhe uma realidade no plano psíquico. Esta disciplina visa também analisar o comportamento humano, decifrar a organização da mente e curar doenças carentes de causas orgânicas.     Freud foi inspirado pelo trabalho do fisiologista Josef  Breuer , por seus trabalhos iniciais com a  hipnose,  que marcaram profundamente os métodos do psicanalista, embora mais tarde ele abandone essa terapêutica e a substitua pela  livre associação .   I nteressou-se desde o início por distúrbios emocionais que na época eram conhecidos como "histeria'', e empenhou-se para, através da Psicanálise, encontrar a cura para estes d...